Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



sábado, 25 de junho de 2011

VALSA nº 6


                                                                                  Fotos: Lívia Cabrera
A Valsa nº 6 (escrita em 1951) é tradicionalmente um desafio para diretores e atrizes por se tratar de um monólgo a ser interpretado por uma atriz que deve cantar e tocar piano. Essas indicações, nem sempre obedecidas, como na presente montagem que celebra a criação da “Cia Labirinto”, originaram o traço mais significativo do grupo que veio da vizinha cidade de Matão: a não obediência às indicações de Nelson Rodrigues.

A desobediência da montagem é plena. Nada de piano branco ou de cortina vermelha... (vale lembrar que uma das atrizes cumpriu a parte referente ao canto, apresentando seu Villa Lobos com dignidade). Mas a maior, mais arriscada e atrevida desobediência é que ao invés de uma atriz, a montagem da “Cia Labirinto” escolheu distribuir as falas e ações da protagonista entre oito personagens, que fazem desde o velho médico tarado até a menina Sônia, passando pelas fofoqueiras e a intereção com o público.

Antes de ler o programa (finalmente um grupo entregando seu programa na porta do teatro) comentei que o principal traço do espetáculo era sua ousadia. Multiplicar Sônia foi realmente uma ousadia cênica de méritos mas também de comprometimentos. O maior destes, do meu ponto de vista, foi a criação de um palco “sujo” (carregado) que é reforçado pelas cores dos figurinos, as máscaras da maquiagem, o exagêro das interprtações e dos biombos cheios de adereços.

A iluminação teve seu tom menor no spot frontal, ingenuamente agressivo, voltado para os olhos do público. A decisão correta foi a de trazer a pláteia para o palco e levar o palco para a platéia. Uma decisão que acabou prejudicada pelas paredes laterais da platéia abarrotadas de informações que passaram a fazer parte e a comprometerem o cenário original. Num palco tudo é signo. Tudo significa, tudo informa, inclusive tatuagens... Carregar a cena, sujar o branco recomendado, reduzir o vermelho apenas para os sutiens, foi intencional, mas teve um preço... Nelson já sombrio e carregado em si mesmo, ultrapassou, com a “Cia Labirinto”, o limite do seu próprio exagêro.

Há que se ressaltar, por fim, a sonoplastia, o uso ágil dos biombos e boas marcações (lembro a impressão causada pelos oito atores formando quatro personagens de cabeças para baixo). Por essas razões, segundo meu olhar, a movimentação eficiente do jovem elenco da nova “Cia Labirinto” não logrou desviar a Valsa nº 6 dos tradicionais excessos que acompanham as montagens quando se trata de encenar Nelson Rodriguês. Em especial pelo exagero de personagens que antes gritam do que falam.

Eduardo Montagnari

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