Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



sábado, 19 de junho de 2010

A Farsa do Advogado Pathelin (Grupo Rosa dos Ventos - Presidente Prudente/SP)

Foto: Fabricio Guerreiro/Assesoria

Maistre Pierre Pathelin é uma farsa que remonta às festas dos bufões e dos agressivamente chistosos menestréis, encenada pela primeira vez em 1465 ela ainda guarda toda a vitalidade, sobretudo quando o Grupo Rosa dos Ventos empresta-lhe toda a sua garra.
Como nas feiras de Ruão, o fio condutor dos atores é a história do Mestre Pierre Pathelin, um advogada charlatão, que vem recheada de piadas e brincadeiras grosseiras (bem no espírito das farsas da Idade Média), canções, técnica circense, música ao vivo (destaque para a “banda” composta por um elemento, Robson Toma, que confere todo um colorido à ação), além de muita energia e irreverência de todo o grupo.
No espetáculo da Praça Pedro de Toledo, a criatividade e a presença de espírito dos participantes ficaram evidentes, graças à intervenção de um andarilho, que tentou roubar a cena, mas foi batido pelo quarteto. Essa espirituosidade é imprescindível para a realização de espetáculos em praça, sem ela todo o projeto naufraga, o que é claro não ocorre com o Grupo Rosa dos ventos.
O Grupo, divertido e muito à vontade, foi um espetáculo já na passagem de som, sorte de quem chegou cedo e pegou a “primeira parte” desse improvisado espetáculo. O cenário, os figurinos e maquilagem dão o arremate nesta gostosa farsa, tudo aparentemente muito simples, mas de funcionalidade perfeita para a condução da peça e para o riso da platéia.
Para os que viram o Grupo Galpão, ontem, e o Grupo Rosa dos Ventos, hoje, pode se considerar um felizardo, pois em menos de 48 horas pode experimentar as delícias do teatro da Idade Média, sem os seus riscos. Estéticas bem diferentes, que mantiveram nos espetáculos a essência das propostas Medievais, ao mesmo tempo, que as contextualizaram para o público de hoje.

Flávia Regina Marquetti

è.Change (Ditirambo - Araraquara / SP)

è.change
O segundo espetáculo da noite de abertura da Semana Luiz Antônio, è.change, da Ditirambo Cia de Dança Contemporânea, trouxe uma homenagem à diretora, bailarina e coreógrafa Pina Bausch, com forte referência ao Cabaret Müller, propõe uma reflexão sobre as “trocas” afetivas.
Estreiando o espetáculo na Semana, a Ditirambo, mostra a busca por uma linguagem corporal que expresse as novas relações do homem, aliando a esta um texto didático/explicativo sobre as novas propostas de relacionamentos.
Sem o amadurecimento que o espetáculo deve atingir, a Ditirambo, esboça algumas ousadias, mas ainda sem a convicção do gesto profundamente refletido, como quando os bailarinos exploram o obsceno, muito sutil, ficando a meio termo entre o choque e o aceitável.
Talvez uma boa dose de humor e fina ironia contribua para que o espetáculo ganhe o ar contemporâneo buscado pela Ditirambo, pois como muito bem falou o prof. Jorge Coli, em sua palestra no Território da Arte, uma das grantes propostas da arte comtemporânea é a frivolidade, o não se levar a sério a arte, ela, como todo o resto (e aí entra a proposta dos relacionamentos modernos) é ganho, está ligada ao mercado. O texto lido durante a apresentação explora exatamente isso, mas faltou essa frivolidade no trato dos corpos, ainda muito sérios e crentes na transcendência dessa arte.
è.change tem um belo caminho à sua frente e tenho certeza que o espetáculo ainda vai crescer muito.
Flávia Regina Marquetti

Foto: Fabricio Guerreiro/Assesoria

Till, a saga de um herói torto (Grupo Galpão - Belo Horizonte)

Foto: Fabricio Guerreiro/Assesoria


Till em terras de Macunaíma

A Semana Luiz Antônio começou com o brilho que só os que amam o teatro podem conferir, Till, a saga de um herói torto, do Grupo Galpão de Belo Horizonte foi uma apresentação irretocável, divertida e que trouxe para a praça todas as “estrepolias” de um mundo Medieval com sabor de Brasil.
O universo do Teatro Medieval, com suas Farsas e Moralidades é a base para Till, numa disputa entre Deus e o Diabo, bem ao sabor do medievo, o zombeteiro Till (tradução literal de Eulenspiegel) surge como “marionete” ou palco para disputa entre esses dois grandes poderes.
Mas porque encenar hoje uma peça Medieval?
Ficou bastante evidente aos que assistiram ao espetáculo ontem que o Grupo Galpão se fez esta pergunta e achou não uma, mas várias respostas para a questão. Num mundo de trapaças e falcatruas, de espertalhões e aproveitadores só o riso, a ironia pode realinhar uma rota que parece perdida. O universo de Till nos é muito próximo, nos faz lembrar de Macunaíma e nos oferece um espelho onde vemos retratada a malandragem tão cara ao nosso teatro desde Pena até Osvald e Luiz Antônio e, ao mesmo tempo, um lirismo e delicadeza só perceptível no Grande Teatro, aquele que, independente da estética, nos revela o que há de mais importante no homem, a poesia, o sonho. Destaque nesse sentido para o delicioso trio de mendigos cegos da peça, alegoria do próprio ser humano e suas cisões.
Mesclando as linguagens presentes no Teatro Popular, com seu humor simples e jogos com o público, e no Teatro Medieval, com seu tom narrativo e didático, que mais tarde Brecht vai reutilizar, o uso de recursos cênicos como alçapões, bombas de fumaça, a presença sedutora do Diabo em cena e a respeitosa ausência de Deus e outros efeitos teatrais bem ao sabor do período, o Grupo Galpão apresenta uma releitura de Till, que guarda o sabor do teatro religioso medieval, mas com um tempero bem nosso, de nossos ditos e referências modernas.
As músicas, tocadas em cena pelos integrantes, a agilidade e colorido do espetáculo, o uso de um cenário, iluminação, maquilagem e indumentárias magistralmente escolhidos e de uma funcionalidade cênica característica do Galpão, aliada a interpretações magníficas, nos transportaram no tempo, para as grandes festas religosas realizadas nas praças da Idade Média, mas também nos fizeram refletir sobre quão pequena é a distância entre Till e sua falta de consciência e o homem moderno.
Como as Moralidade, Till deixa uma mensagem sobre o homem e sua possível transformação, mas acima de tudo nos deixa a crença na Arte, no Sonho, no Teatro como expressão do que há de melhor no Homem.

Flávia Regina Marquetti









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