Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



terça-feira, 28 de junho de 2011

Esta é a primeira vez que participo deste acontecimento cultural que chega agora à sua 23ª edição: Semana Luiz Antonio Martinez Corrêa. Essa maratona - mais de 20 espetáculos de teatro, exposições, mesa redonda, cafés de investigação, shows de música, ao longo de 10 dias – só vem confirmar a vocação teatral de Araraquara. Agradeço o convite da Euzânia, do Jorge e as boas vindas da Flávia, grato, grato, muito grato... Exercitar meu olhar, minha atenção e minha capacidade de traduzir o que eu assisti nesses dez dias só me fez aprender mais... Com uma alegria e um prazer que há muito não experimentava.

Conheci o Luiz Antônio em 1967 durante a apresentação do show de calouros (Bishow) no antigo Centro Acadêmico Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (hoje Casa da Cultura que tem seu nome). Naquela noite o Luiz me convidou para integrar o TECO (Teatro de Colégio) que nesse mesmo ano transformamos em TUA (Teatro Universitário de Araraquara). Durante cinco anos, dirigido por ele, o TUA foi o manifesto vivo da nossa rebeldia. Palco de uma história que fico feliz de compartilhar com os novos e os jovens amigos que agora fiz. Obrigado Luiz...

Eduardo Montagnari (Tatoo)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

OLHOS NOS OLHOS COM BIA E LARISSA

 Vocês têm razão, meninas, a 23ª SLAMC foi bastante diversificada, como deve ser um festival que se propõe apresentar e discutir essa ampla esfera que é o fazer teatral. Pois é a partir dessa diversidade de formas, espaços, estéticas, temas que nós construímos um olhar crítico. É bom ver aquilo a que já nos habituamos, mas também o novo, o estranho o ousado, experimentar é a base de tudo, tanto para o ator/diretor, quanto para o espectador.  E poder voltar a ser criança é um prazer que a gente sempre deve se proporcionar.
Flávia Marquetti

domingo, 26 de junho de 2011

O OLHAR SONORO DO BATE LATA

O último dia da 23ª SLAMC teve o espetáculo Bate Lata e Vira Lata, da Cia Tárcio Costa, também de Araraquara. Desculpa aí Tárcio, eu postei, na onda do povo, que o Chá das Duas era a única peça da cidade e esqueci de você.

A Cia, mesmo com o frio e o vento, esquentou a platéia, sempre muito divertidos, brincando com o público adulto e infantil, fizeram o show. Mesclando música e, digamos, esquetes teatrais, o Bate Late apresenta uma proposta lúdica e educativa (como em outros trabalhos) que visa despertar a consciência ecológica ao utilizar, além dos instrumentos musicais tradicionais, sucatas para fazer som... e som de boa qualidade, que fez o público infantil dançar, rir e o adulto também, por sinal, os adultos sempre aproveitam a desculpa de levar as crianças para se esbaldarem nas peças, foi assim no Gato Malhado (que teve marmanjo chorando de rir na platéia), e hoje, com o Bate Late, com direito a participação especial no espetáculo.

Não posso deixar de chamar a atenção para a simpática indumentária do grupo, sobretudo a camiseta... com as claves de sol e de fá formando um coração. Amor pelo teatro, pela música! Nada mais adequado para o encerramento da semana. Agora é esperar a 24ª... já bateu saudades.

Deixo aqui o meu mais sincero agradecimento a todos os atores, diretores, produtores, iluminadores, contra regras, enfim, todos que transmutam sonho em “realidade” no palco e, apesar de todas as dificuldades, encaram a estrada e fazem o mundo ser mais HUMANO, trazendo olhares coloridos e diferentes para o cotidiano cinza da cidade. Não é à toa que, desde o surgimento da primeira trupe de teatro, eles têm passagem livre por todo o mundo, mesmo em períodos de guerra. Valeu! Evoé, embaixadores da vida!!!


Flávia Marquetti
BATE LATA E VIRA LATA


Eu poderia desfiar um rosário de bons adjetivos para expressar a qualidade do trabalho da Cia Tárcio Costa. Eu já tinha ficado encantado com o que tinha visto em vídeo. Pensei na ocasião em como Araraquara tem sorte de poder contar com um trabalho como o que Tárcio Costa conduz.

Durante muito tempo colaborei na seleção de espetáculos para o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau... Ainda que muita coisa, bons grupos, bons artistas, boa dramaturgia, grandes direções circulem pelo universo disso que chamamos teatro infantil, não são exatamente bons trabalhos que alimentam o comum desse teatro. Tárcio Costa tem luz própria nesse universo.

Inteligente. Muito inteligente. Sensível. Muito sensível. Criativo. Muito criativo. Interativo. Muito interativo... Tudo isso e muito mais desenha o perfil do Bate Lata e Vira Lata que vimos esta tarde. Três músicos/atores puderam demonstrar com habilidade a máxima de Bertolt Brecht de que falamos no início da Semana Luiz Antônio: a de “há muitos objetos em um só objeto”, inclusive sonoros, musicais... Baldes, garrafas, chinelos são objetos que o talento de Tárcio Costa transformou em instrumentos musicais com a colaboração de Raquel Nascimento e Luiz Carlos Ferreira (músicos/atores).

Direção, texto e canções eficientes... Certamente que ao ar livre apresentação do grupo é diferente de uma apresentação em um palco de teatro. Mas, nem por isso menor... Ficamos sem a iluminação de Rodrigo de Prince (que estava no som, creio), mas em cena estavam as cores dos figurinos de Marilaine de Souza... Vale dizer ainda, que o empenho dos atores numa tarde que nos brindava com um vento frio, foi louvável (tanto quanto a permanência do público). Assim, ali na pequena Praça do Daae, as crianças e adultos presentes puderam descobrir participando, experimentando e brincando, que em tudo existe música... Porque música se faz com tudo.

Eduardo Montagnari
CASA / CABUL: um espetáculo grandioso e moroso



                                                                                              Fotos: Lívia Cabrera
“Uma dona de casa inglesa expõe detalhes de sua vida e seu fascínio pela beleza do exótico Afeganistão ao ler um guia de viagem antigo. Nessa jornada por montanhas, desertos e cidades esquecidas, ela arrasta atrás de si seu marido e sua filha, provocando o encontro com a delicadeza e coragem da alma afegã. Casa / Cabul trata, entre outras coisas, de jornadas. A jornada de uma dona de casa em direção à sua mítica, sonhada e simbólica Cabul. A jornada de uma bibliotecária afegã em direção à cultura ocidental. A jornada de uma filha em direção à sua mãe. A jornada de todos nós em direção em direção ao Outro, tão diferente de nós embora, ainda assim, tão parecido. Uma multiplicidade de pontos de vista, que expõe a riqueza e complexidade do mundo em que vivemos, onde não há mais santos ou vilões”.

Essa é a informação que o público dispunha para assistir Casa / Cabul que aconteceu neste sábado. Depois de algumas encenações que romperam com a tradicional relação palco platéia (ou pelo menos com a chamada “quarta parede”), a Semana Luiz Antonio recebeu um espetáculo de abrir e fechar cortinas, de dois atos e quase três horas de duração. E considerando a grandeza do que foi levado ao palco do Municipal é lamentável que o “Núcleo Experimental de Teatro” não tenha se preocupado em oferecer material (um programa) com informações que pudessem aproximar seu grandioso espetáculo de um público que depois do intervalo, desinteressado, acabou em boa parte desistindo de acompanhar o desenvolvimento moroso do drama encenado.

O teatro não pode e nem deve se curvar à rapidez com a qual nosso mundo determina como tudo deve se processar. Seu tempo é outro. Mas esse também é um dado que não livra uma direção e um elenco de emprestarem ao seu trabalho um ritmo que o torne mais prazeroso, cortando, adaptando e reorganizando cenas, uma vez que teatro não é o que se lê, mas o que se encena.

Casa / Cabul, do meu ponto de vista, tinha tudo nas mãos para ser algo bem maior que a incômoda sensação de frustração que o espetáculo apresentado deixou. A qualidade das vozes projetadas, que podiam ser escutadas em qualquer canto do teatro, a riqueza do cenário, dos adereços, a beleza da iluminação, dos figurinos... Tudo grandioso e belo. A riqueza dos detalhes e a complexidade de um texto elogiado. O cuidado de recorrer a assessorias sobre questões como cultura, história, línguas, etnias, comportamentos. A presença de um diretor de peso, como é Zé Henrique de Paula, de bons atores (em sua maioria)... Tudo isso se via e também se via um espetáculo que não acontecia.

Por ironia, o mais encantador e curioso, além da sonoplastia, ficou por conta do trabalho de contra-regra executado por um elenco que mostrava que a dinâmica do espetáculo bem que podia ser outra. Foram os grandes momentos da encenação onde tudo se transformava com grandeza, leveza e beleza quase mágicas para, uma vez restabelecida, a cena voltar a se arrastar... E nesse andamento nem em seus momentos mais dramáticos o espetáculo comoveu um público cuja maioria saiu do teatro sem entender muito bem o porquê (as razões) do que viu.

Eduardo Montagnari

O OLHAR EXÓTICO DE CASA/CABUL



                                                                                                Fotos: Lívia Cabrera

A apresentação de Casa/Cabul trouxe para a 23ª Semana Luiz Antônio um olhar sobre as diferenças culturais que marcam o Ocidente do Oriente Médio, sobretudo o mulçumano, mas com uma reflexão bastante interessante: a de quanto a aparente "liberdade" Ocidental, sobretudo a feminina, encontra-se esvaziada de sentido, assim como a vida da classe média.

É interessante o jogo espectral estabelecido entre a dona de casa inglesa e a bibliotecária afegã. Ambas profundamente insatisfeitas em seus relacionamentos, em sua condição de mulher, em suas vidas sociais e ambas corajosamente prontas a reverter este quadro. A inglesa sonha com o universo mítico de uma Cabul, no qual as relações não são feitas de aparência, marcada (historicamente) por lutas e conquistas. A fala da filha, já no Afeganistão, resume tudo: país no qual as pessoas que se odeiam se matam.

Destaque para o “divertido monólogo” inicial da peça no qual a inglesa alterna suas frustrações pessoais, familiares e sociais às informações obtidas em um antigo guia turístico sobre Cabul (com mais de 30 anos), enfatizando as guerras travadas no território, do hoje Afeganistão, ao longo dos séculos. A correlação estabelecida aí vai se mostrar ainda mais intensa quando, ao desenrolar-se a trama, se descobre que ela fugiu para Cabul e tornou-se esposa de um mulçumano, convertendo-se ao islamismo. Hipótese absurda para seu marido, filha e grupo social.

Em contrapartida, a afegã, mulçumana, sonha com a liberdade de expressão, deseja ardentemente poder voltar a ler livros, já que só lhe é permitida a leitura do Corão. Não sem humor, a peça faz essas duas mulheres trocarem de país, religião e maridos, convidando-nos a refletir sobre os valores impostos a cada um e a nos questionar: o que é realmente importante em nossas vidas?! As respostas podem ser bastante diversas, opostas até. Outra reflexão fundamental é sobre a noção de liberdade no Ocidente, seria realmente liberdade?!

Com interpretações muito boas, um cenário que se transformava ora na Londres moderna, ora na cidade de Cabul e uma luz muito bem desenhada, o Núcleo Experimental de Teatro, de São Paulo, resgatou o formato do teatro tradicional, o público sentado na platéia, os atores no palco, o que causou a alegria de alguns, com saudades do bom teatro convencional, sem espaços e dramaturgias alternativos. O único se não é o tempo do espetáculo, 150 min. Alguns cortes poderiam tornar a peça mais ágil e intensa, mas é sem dúvida um belo espetáculo.


Flávia Marquetti

UM BRAVO OLHAR DA BRAVA CIA



                                                                                                Fotos: Lívia Cabrera

A apresentação da Brava Cia, de São Paulo, tomou de assalto as ruas de Araraquara com o “espetáculo”: Este lado para cima – Isto não é um espetáculo. Com uma indumentária, que traz em si o próprio cenário ... ou seria o contrário?! Seja como for, o cenário/indumentária era composto por roupas que me lembraram uma mistura do esfarrapado exército de Brancaleone, rumo à libertação do Santo Sepulcro na Pré-Cruzada, a um Mad Max. O que a princípio pareciam armas de ataque, se transformaram em equipamentos de som, bancos e muito mais.

O grupo contou a história desta e de todas as cidades, a história do homem e do capitalismo, com muito humor, irreverência, boas representações, música e interação com o público. Fazendo rir, mas também refletir sobre as relações políticas, econômicas e sociais vigentes, conclamando a todos a participar desta nova cruzada, libertar um outro sepulcro: o futuro do próprio homem.

Brecht ia amar! E nós todos, literalmente, nos juntamos ao ataque da Brava, que a cada apresentação arregimenta mais gente em sua marcha final, segundo um dos integrantes. Só quem esteve presente tem a dimensão da proposta, que não cabe em uma descrição. Bravo! Bravíssima!!!

Flávia Marquetti

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