O que há de comum entre essas três peças? Aparentemente nada, mas se olharmos mais detidamente veremos que elas tratam de um mesmo ponto, com estéticas completamente diversas, sem dúvida.
Logo no início da peça dos Satyros, na fala do personagem Léo, TILL, do Grupo Galpão, é retomado, “o que sobra de um ser humano se tirarmos tudo dele?” A partir da mesma reflexão os dois grupos teatrais nos apresentaram peças muito distintas. Observem que a temática de Till data do Medievo, período profundamente marcado pela fé cristã, pelo medo e pela cisão entre corpo e alma, ao passo que os Satyros se propõem a discutir o pós-homem, ou seja, a possibilidade de transformação física e, claro, do próprio ser que é decorrente desta. Como na Idade Média, corpo e alma travam um embate, assumir um corpo e suas ações é questionar a sociedade, seus postulados e, sobretudo, definir um Eu em relação a um Outro, uma alteridade fada ao conflito.
Mas enquanto o Galpão optou por retomar a estética medieval, mesclando os gêneros, o riso ao lírico, os Satyros se posicionam no extremo oposto, trazendo o máximo de tecnologia para a cena, sem medo de explorar todos os conceitos da Arte Contemporânea, desde a frivolidade da arte como mercado, como expressão irônica dessa relação homem/consumo, ao desvelamento do interdito, a nudez dos corpos transformados e os sites de pornografia.
Para alguns dos que acompanham a XXII Semana, a estética apresentada pelos Satyros é uma estética de choque, mas a nudez em Hipóteses para o amor e a verdade não é nem erótica, nem chocante, ao contrário, ela é a expressão da dor, da dor do diferente, do que não é aceito, do preconceito e da luta em busca de afeto, como em Till e como em Escuro, uma das peças mais ousadas dessa XXII Semana Luiz Antônio.
Escuro, das Cias Hiato e Simples de Teatro, não apresentou nudez física no palco, digo física porque não havia nenhum corpo pelado em cena, mas as almas e as relações foram despidas. Se os Satyros ousam com a presença dos transexuais em cena, Escuro ousa tanto ou mais, expondo outros corpos/seres marginalizados, estigmatizados e vítimas de preconceitos, mas a ousadia maior é estética, na contra mão das propostas contemporâneas, na qual o feio, o sujo, o escatológico, o underground é a tônica, o maior arrojo das Cias Hiato e Simples foi explorar o belo, a delicadeza, a poesia visual e dramatúrgica.
A partir de Till, passando por Escuro até Hipóteses para o amor e a verdade tivemos uma verdadeira aula sobre como o tema das relações humanas, do preconceito e da incomunicabilidade pode ser explorado e, sobretudo, como a presença dos corpos dos atores em cena emprestando sua técnica, seus gestos, seus sentimentos às personagens nos faz por alguns momentos esquecer a distancia entre o Eu e o Outro e nos possibilita realmente um diálogo, um encontro com o Ser Humano, ainda a essência de toda obra de arte.
Flávia Regina Marquetti