Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

.....................................

A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



segunda-feira, 21 de junho de 2010

1º CRUZAMENTO

Foto: Fabricio Guerreiro/Assesoria
Alguém veio me dizer hoje que “não achou tão legal a peça da Cia Inadequada, pois tudo estava muito disperso, não era como as outras, que prendiam a atenção” e o Cassiano postou também um comentário sobre ela, respondo a ambos.
Pois bem, a proposta estética da Cia Inadequada é bastante diferente das demais peças vistas até aqui na Semana, mesmo com a presença de peças de rua como Till e A farsa do Advogado Pathelin. Se nas duas anteriores, como na Inadequada, os atores usam do improviso, têm de lidar com a intervenção não programada do público, eles, ao contrário da Inadequada, possuem um foco, um núcleo dramático que se concentra em um único ponto, o “palco” e sua ação, isso se deve ao fato de serem peças cujas estéticas datadas do Medieval, visavam capturar o olhar do público para a cena e a mensagem aí veiculada.
No caso da Inadequada Futebol Clube a idéia é outra, todos os que já foram a um estádio de futebol sabem que a torcida é parte integrante do espetáculo, mesmo em jogos como os da copa do mundo a torcida às vezes rouba a cena, até mesmo pela TV; quando pensamos em jogos menos interessantes, aí sim é que a torcida ganha a frente e inverte a relação de ver e ser visto. Dou um exemplo meu, embora não goste de futebol, quando adolescente ia aos jogos da São Manuelense, time da minha cidade natal, que pertencia à última divisão da última divisão naquela época, o jogo sempre era ruim, os jogadores mais chutavam o campo que a bola, pois bem, e porque a gente ia? Ora para ver a torcida da São Manuelense, um espetáculo a parte, divertido, engraçado e que infernizava a torcida adversária, geralmente acabando em pancadaria. É esse espetáculo disperso, que mescla a necessidade de dividir a atenção ora no centro do palco/gramado ora nos lances que ocorrem fora dele é que a Cia Inadequada trouxe.
Durante o espetáculo da Cia Inadequada, há todo momento havia algo acontecendo no “centro” da representação, mas as conversas dos atores com o público (quando apresentavam as crônicas do Nelson Rodrigues) muitas vezes roubavam a cena, pois os risos e manifestações dos ouvintes, vistos de longe pelos demais presentes, aguçava a curiosidade, uma expectativa em descobrir o que estava acontecendo ali... e como as reações variavam de acordo com o grupo e o texto, nós nos movíamos como torcedores que percebem algo acontecendo além da partida, do outro lado da arquibancada, com pescoços erguidos, caras de suspense e até o desalento de não ver surgir a tão esperada “briga” que se anunciava em nossa imaginação.
O espetáculo da Cia Inadequada propõe que se assista não só ao palco, mas também a platéia, como num jogo, no qual a atenção do campo às vezes sobe para arquibancada e vice-versa, interagindo, nada mais adequado para quem escolheu como tema o espetáculo do futebol, proposta cênica e tema em perfeita sintonia, melhor que muito time por aí.
Deixo claro que tudo isso é uma leitura técnica, minha função aqui no Blog, mas o público é o melhor juiz, pois o espetáculo é feito para ele e o gostar ou não de determinada estética ou condução da dramaturgia é direito pleno de todo espectador.


Flávia Regina Marquetti

4 comentários:

  1. Fazendo todas as explicações, o espetáculo toma forma ao meu olhar. Não sei se exatamente como o proposto pelo grupo, mas como o proposto por você em suas leituras. Lembro me, quando ainda era minha professora oficialmente, de uma discussão que durou horas sobre um espetáculo do XPTO. Naquela ocasião muitas pessoas discordaram sobre terem, ou não, gostado do espetáculo. Depois de ter visto muitas coisas por aí, e ainda não ter visto quase nada, me surpreendo com esse espetáculo, o da Cia Inadequada.
    Ter que ser explicado um espetáculo de estética e fazeção relativamente simples me preocupa, talvez seja uma visão conservadora a minha, mas se a proposta era quebrar a estética convencional, eles conseguiram, mas incomodando bastante aos que foram ali para assistir um espetáculo. "A Farsa do Advogado Pathelin" na praça da Santa Cruz em pleno transito de pedestres em um sábado de manhã fez com que o espetáculo do Grupo Rosa dos Ventos tivesse uma energia morna, e mesmo assim, segurou a atenção de quem transitava pela praça. Foi um espetáculo fechado, todas as atenções estavam ali. Num espetáculo como o "Inadequada futebol Clube", os diversos núcleos de atenção me incomodaram e também a outras pessoas, como eu ouvi durante a apresentação.

    Talvez a única coisa que me incomodou, mas pesso que você também elenque coisas que te incomodaram nesse e em outros espetáculos que vimos até agora.

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  2. Não vi o espetáculo da Cia. Inadequada, mas as explicações da Flávia e os comentários do Cassiano me remetem a uma discussão antiga e constante sobre a estética ideal para rua!

    Em minhas andanças, participando de rodas de discussão em festivais especificamente de RUA, já ouvi muitas opiniões divergentes de público, artistas, teóricos... ufa! entramos em um assunto polêmico MESMO!

    Daí, indico a leitura de "debate" publicado na revista "Camarim" da Cooperativa Paulista de Teatro, destacando principalmente o texto da maravilhosa Claúdia Schapira (Nùcleo Bartolomeu de Depoimentos): Teatro de rua, teatro na rua, teatro da rua, teatro para a rua, teatro com a rua?

    Segue o link, meus queridos, se quiserem comprar a briga e abrir o debate:

    http://www.cooperativadeteatro.com.br/camarim/camarim30/depoimentos.htm

    beijos!

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  3. A única coisa "semi" interessante da Inadequeda foi a platéia! Estética ou não, eu tenho que ser tão inteligente quanto a Flávia Deusa Marquetti pra achar algo interessante na "peça"??? Desculpe, mas tem algo errado aí!

    Meus parabéns a quem escreveu o release da Inadequade... me fez crer que seria um EXCELENTE espetáculo! Conselho: abandone a companhia e vá escrever um livro!

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  4. Bom, vou diretamente ao "ponto" (o meu ponto de vista) .... Também não gostei deste espetáculo da Cia Inadequada .... principalmente pelo fato de ter sido feito na rua, "aquilo" não era de rua tava com cara de espaços alternativos .... se tivesse sido apresentada no saguao teria sido menos pior ... nao estavam com voz nem pique pra rua ... aplaudi a coragem deles apenas ....
    Na minha opiniao ... a mágica do teatro para acontecer precisa que o "conflito" chegue no publico e nao chegou .... independentemente de tecniacs, estudos e pesquisas o mais importante é "chegar" no publico e não chegou ...
    como na sinopse tbm achei q seria do "caralho" e naum foi ... naum chegou e acredito q pra isso naum há justificativa teorica/cientifica ... o teatro é para o publico e naum aconteceu, naum rolou (infelizmente) .... e se naum chegou a culpa é minha q sou burro ou do grupo q naum fez chegar??? ....

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