Till em terras de Macunaíma
A Semana Luiz Antônio começou com o brilho que só os que amam o teatro podem conferir, Till, a saga de um herói torto, do Grupo Galpão de Belo Horizonte foi uma apresentação irretocável, divertida e que trouxe para a praça todas as “estrepolias” de um mundo Medieval com sabor de Brasil.
O universo do Teatro Medieval, com suas Farsas e Moralidades é a base para Till, numa disputa entre Deus e o Diabo, bem ao sabor do medievo, o zombeteiro Till (tradução literal de Eulenspiegel) surge como “marionete” ou palco para disputa entre esses dois grandes poderes.
Mas porque encenar hoje uma peça Medieval?
Ficou bastante evidente aos que assistiram ao espetáculo ontem que o Grupo Galpão se fez esta pergunta e achou não uma, mas várias respostas para a questão. Num mundo de trapaças e falcatruas, de espertalhões e aproveitadores só o riso, a ironia pode realinhar uma rota que parece perdida. O universo de Till nos é muito próximo, nos faz lembrar de Macunaíma e nos oferece um espelho onde vemos retratada a malandragem tão cara ao nosso teatro desde Pena até Osvald e Luiz Antônio e, ao mesmo tempo, um lirismo e delicadeza só perceptível no Grande Teatro, aquele que, independente da estética, nos revela o que há de mais importante no homem, a poesia, o sonho. Destaque nesse sentido para o delicioso trio de mendigos cegos da peça, alegoria do próprio ser humano e suas cisões.
Mesclando as linguagens presentes no Teatro Popular, com seu humor simples e jogos com o público, e no Teatro Medieval, com seu tom narrativo e didático, que mais tarde Brecht vai reutilizar, o uso de recursos cênicos como alçapões, bombas de fumaça, a presença sedutora do Diabo em cena e a respeitosa ausência de Deus e outros efeitos teatrais bem ao sabor do período, o Grupo Galpão apresenta uma releitura de Till, que guarda o sabor do teatro religioso medieval, mas com um tempero bem nosso, de nossos ditos e referências modernas.
As músicas, tocadas em cena pelos integrantes, a agilidade e colorido do espetáculo, o uso de um cenário, iluminação, maquilagem e indumentárias magistralmente escolhidos e de uma funcionalidade cênica característica do Galpão, aliada a interpretações magníficas, nos transportaram no tempo, para as grandes festas religosas realizadas nas praças da Idade Média, mas também nos fizeram refletir sobre quão pequena é a distância entre Till e sua falta de consciência e o homem moderno.
Como as Moralidade, Till deixa uma mensagem sobre o homem e sua possível transformação, mas acima de tudo nos deixa a crença na Arte, no Sonho, no Teatro como expressão do que há de melhor no Homem.
Flávia Regina Marquetti
Um espetáculo que me fez traspassar a barreira do tempo. Minha alma inebriada saltava da menina à mulher que sentadas no último degrau da arquibancada pareciam flutuar em um sonho bom.
ResponderExcluirPra sempre na memória...