Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

.....................................

A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



segunda-feira, 20 de junho de 2011

CASCA DE NÓS E O OLHAR DESLOCADO

                                                              Lívia Cabrera

                                                                                     Danielle Aquino

O grupo Cia dos Pés, de São José do Rio Preto, virou a cabeça do público da 23ª SLAMC com uma proposta bastante original. O espetáculo, Casca de Nós, se propõe discutir o espaço cotidiano, urbano e sua relação com o corpo a partir do deslocamento do olhar, físico inclusive. A Cia colocou toda a platéia a seus pés, deitada (melhor maneira de ver o espetáculo) em colchonetes diante da Prefeitura Municipal. Mais que uma simples inversão na forma de assistir a um espetáculo a proposta do grupo começa por alterar a forma de ver a cidade, os prédios, o que nos cerca e a nós mesmos. Ângulo novo, estranho que, ao romper com a rotina do plano horizontal do olhar, revela detalhes arquitetônicos do espaço, antes não apreendidos, redimensiona a percepção do corpo em relação ao mundo, seja nas sensações táteis do contato com o chão ou da visão, que nos ilude a partir dos movimentos leves, em “câmera lenta” realizados pelas duas integrantes do grupo.

Cuidado, delicado, o espetáculo explora uma trilha sonora bem colocada, que se afina com os movimentos, com o texto, propositalmente fragmentado, solto em pequenos textos, frases e palavras que, como as duas atrizes/bailarinas voam ao vento ecoando dentro dos espectadores. A iluminação do espetáculo à noite revelou delicadezas insuspeitas no espetáculo da tarde (assim como eu, muitos voltaram para revê-lo), mas se surpreenderam ao ver outro. Os movimentos eram os mesmos, assim como a trilha sonora e o texto, mas o sol da tarde produziu outras sombras na parede, diversamente da luz noturna e dos refletores, muito bem explorados pelo grupo, criando belas luas cheias de bailarinas, imateriais, sonho do homem que se projeta descomunal em sua sombra e as tenta alcançar – idealização, saudades, projeção do desejo... tudo cabe nesta deliciosa inversão espacial, na qual o irreal se materializa e o real é mera sombra. Ao deslocar os olhares para a liberdade vertical, a Cia dos Pés nos faz pensar o confinamento no qual vivemos, presos nesta casca de nós/noz que é a casa, a cidade, o próprio corpo, nos convidando a romper a barreira de cimento, a nos permitir um redimensionamento para a vida, virando-a de ponta-cabeça, alterando seu eixo, buscando a leveza e a beleza. Casca de nós me fez lembrar de Asas do Desejo, de Wim Wenders, filme que amo, não só pelo óbvio: a bailarina/trapezista, os anjos, mas por causa do poema que abre o filme, Song of Childhood, de Handke.

Flávia Marquetti

5 comentários:

  1. Flávia trocou um "m" por um "n" e posta um texto lindo, sensível e profundo...já vc rsrs critica e não sabe que Luiz se escreve com "Z" e não com "S".Sem levar em conta que sua critica ridícula não tem conteúdo , ao contrario do texto da Flávia que levou meu dia e minha noite nas alturas, comentando lindamente e profissionalmente sobre o Casca de Nós.

    ResponderExcluir
  2. Eu assisti o espetáculo bem na frente, ou bem embaixo. Foi mágico. Parecia que eu tava no meio de um sonho mesmo. Tinha momentos que eu esquecia que tinha muita gente em volta, e voltava a realidade quando eu via o rapaz la embaixo cuidando das meninas, desenrolando as cordas, puxando-as. Haja abdômen nesse trio ein!

    ResponderExcluir
  3. Este é um espaço para se falar de arte, impressões dos espetáculos, e tudo que possa ter ou não encantado neles, e também nos outros eventos da programação.
    Alguém que perde tempo em vir ateé aqui para ficar procurando erros de ortografia, realmente não deve levar a sério o que a arte significa. É alguém que por não ter nada interessante para dizer, ao invés de ficar quieto, fica alfinetando e falando 'abobrinha'.

    ResponderExcluir
  4. Muito belo, me odiaria muito se não tivesse assistido.

    ResponderExcluir

Seguidores