Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



terça-feira, 21 de junho de 2011

A SERPENTE

                                                                                        Lívia Cabrera

                                                                                          Lívia Cabrera

As duas experiências que tivemos que provar como público, ontem, na “23ª Semana Luiz Antonio”, foram radicalmente opostas. Saímos do Paço para o Palco do Municipal. Deixamos um espetáculo suspenso na imensidão do ar para entrar no confinamento sombrio de um cômodo familiar. Nada mais contrastante.

Depois de assistir à exibição da “Cia dos Pés”, fomos convidados a mergulhar em outro tipo de aflição estabelecido pelo drama de casais típicos da galeria de personagens compostos por Nelson Rodrigues. Personagens imersos em seus conflitos interiores, inclinados à vulgaridade e incapazes de controlar seus excessos. Personagens que em geral não conversam, mas gritam...

“A Serpente”, drama menor (de um ato) quando o comparado aos outros dramas do autor de “Vestido de noiva” (marco do moderno teatro nacional) também expõe o confinamento e a histeria dos “lares” pequenos burgueses: verdadeiros campos de batalha de personagens atolados numa moral burguesa, que não resistem aos seus impulsos interiores e que se deixam levar por comportamentos que eles mesmos encaram como “sujos” e dos quais não conseguem se livrar. Como em outras peças, esse universo recorrente nas obras de Nelson Rodriguês, foi exposto por um pequeno texto que se alimenta dramaticamente da metáfora anunciada em seu título. Nelson foi por princípio um moralista.

Nada disso é muito novo em se tratando do autor de “Boca de ouro” e, a não ser pela juventude do grupo empolgado com o resultado do trabalho realizado, o que assistimos foi um espetáculo sombrio, principalmente pelo cenário escuro e pelo figurino roxo das duas personagens centrais, em contraste com o vermelho da rápida passagem da empregada mais o branco dos dois buquês utilizados no início da peça e presente no figurino do personagem Paulo. Um ambiente sombrio reforçado pelo roxo da cama, pelo escuro dos adereços de cena e pela iluminação de lâmpadas comuns presas em panelões suspensos que serviram seguidas vezes, aos próprios atores, para focalizarem individualmente os rostos dos companheiros de cena. Recurso que, como o uso das lanternas, só fez acentuar o negror de um palco que a direção entendeu competir ao drama rodriguiniano.

As interpretações do jovem elenco não comprometeram o conjunto frágil do espetáculo e a sonoplastia apenas reforçou o comum de tangos tão recorrentes quando se trata de encenar Nelson Rodriguês. Com a montagem de “A Serpente”, texto que se alimenta do mito que está lá no “princípio tudo”, com Adão e Eva, a “Cia Mênades & Sátiros” de Presidente Prudente, não logrou ser diferente.



Eduardo Montagnari

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