Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

.....................................

A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



quinta-feira, 23 de junho de 2011

FONTAINEBLEU


                                                                               Fotos: Lívia Cabrera


A apresentação da Cia Tan-Tan trouxe para o Teatro Municipal, um espetáculo de clowns que por 50 minutos buscou divertir o público que ali esteve presente. O “não sentido”, como é comum às apresentações do gênero, predomina numa encenação construída de movimentos, gestos e palavras em que o abuso “do francês” se transforma em mote para a maioria das brincadeiras que formam o jogo cênico armado entre os atores Paulo, Pínio e Juliana que se transformam nos Palhaços Néio e Feno e na Palhaça Flóris que assumem os papéis De Claude Monéio, Auguste Fenoir e Fina Arbre.

Essa superposição de papéis, cuja linha divisória que de tão tênue se torna imperceptível se desenvolve em meio a um cenário delicado, reforçado por uma sutil, eficiente e poética iluminação, com adereços adequados e um belo figurino de clowns. O “visual” é sem sombra de dúvidas o ponto alto de uma encenação que não logra alcançar o mesmo brilho quando se trata de pensar em sua fábula. Esta nos é apresentada por meio de falas, gestos, expressões corporais e brincadeiras cuja recorrência chegou até mesmo a provocar certo tédio que - quem sabe – se deve à concorrência de um público não muito expressivo!



NEGRINHA
                                                                                     Danielle Aquino
E existe um povo que a bandeira empresta/Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!

Esses versos que iniciam as três estrofes finais de “Navio Negreiro”, do poeta Castro Alves, é a citação que encerra a “poética, lúdica, cruel e apavorante” encenação de Negrinha cuja dramaturgia, calcada na situação de miséria e abandono a que foram relegados os escravos após a assinatura da Lei Áurea, teve como inspiração o conto homônimo de Monteiro Lobato, escrito em 1920.

O espetáculo, que faz jus ao texto que o apresenta (e que se encontra impresso no programa da Semana Luiz Antonio), resultou em uma encenação conduzida com maestria pela direção de Luiz Fernando Marques e pela atuação primorosa, expressiva e eficiente de Sara Antunes, que também é a autora das falas que representa e diz.

O belo resultado da arte e do figurino assinados por Renato Bolelli Rebouças emprestaram o clima final e os contornos que transformaram a sala de bailes do antigo Clube Araraquarense em cômodos de uma verdadeira Casa Grande e sua Senzala. E foi ali naquele espaço impregnado de histórias, que ontem Negrinha nos transportou para interior das sombras da memória de um mundo tenso, confuso e intenso de pensamentos e espantos, visuais, sonoros e sensoriais... Enfim, para dentro de nós e das marcas violentas que nossa História insiste em cobrir.


Eduardo Montagnari

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores