Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



domingo, 19 de junho de 2011

                                                                                         Lívia Cabrera

                                                                                         Lívia Cabrera

Araraquara, 19 de junho de 2011




Queridos atores,

depois de assistir prazerosamente “Aqueles dois” voltei para casa com a tarefa de comentar o que tinha visto. Agora me encontro olhando para o branco da tela do computador na procura de alguma coisa que possa dizer para além do que já expressei quando depois do espetáculo fui levar-lhes meu abraço e meu agradecimento. Não tenho muito para acrescentar... Fiquei comovido, me diverti, me entristeci, me fiz perguntas, não me respondi, me vi...

A arte, sem dúvida, é uma poderosa força e talvez a única com capacidade de emprestar sentido a um mundo sem sentido. Uma força capaz de colocar em evidência a estranheza das coisas que se nos tornaram tão familiares que não mais lhes prestamos atenção. E o teatro – não me lembro quem disse isso - é, dentre todas as expressões culturais, a forma mais pública de apresentar e assistir arte. Uma expressão viva que só se realiza no coletivo.

Ainda que o espetáculo que vocês criaram a partir do conto de Caio Fernando Abreu, fale um pouco mais de perto a um determinado público, não tanto pelo argumento, mas pelas citações e referências carregadas de significados culturais datados e endereçados (cheguei a comentar que assisti “Infâmia” no cinema), o fato é que a platéia inteira se envolveu na trama dos “dois” personagens vividos tão intensa e brilhantemente por vocês, Cláudio, Marcelo, Odilon e Guilherme. Foram todos os presentes que deram em uníssono o veredicto final do que tinham visto: um aplauso sincero, intenso que se prolongaria muito mais se vocês não tivessem tomado a palavra.

A distribuição de dois personagens entre quatro atores foi sem dúvida o grande achado de uma leitura cênica que permitiu estender – universalizar - o drama para além do caso particular do amor entre duas pessoas do mesmo sexo. O caos de uma sociedade carente de sentido em si mesma, embrutecida e repressora, estava ali, presente na confusão, na austeridade e na feiúra de um ambiente entupido de objetos e adereços carregados de simbologia. E a única coisa capaz de dar algum sentido e direção em meio àquele caos era a luz, muitas vezes sutil pelo uso sutil das luminárias, eram os gestos, a movimentação precisa e a fala afinada de vocês, entre vocês e as vezes para nós.

As qualidades épico-dramáticas que vocês apontam estarem presentes no conto de Caio Fernando Abreu, e que certamente serviu de alimento à direção coletiva que vocês mais Rômulo construíram, garantiram a necessária estranheza cênica de um desenrolar dramático que superando o sentimentalismo característico dessa forma de fazer teatro, lograram uma dimensão épica que contrastava com o naturalismo brutal e repressor imposto pelo cenário e pelos adereços.

Quero rematar dizendo que há muito não via um espetáculo tão gratificante. Agradeço em nome da Semana Luiz Antonio... Estamos felizes por vocês terem estado aqui. Esperamos que voltem mais vezes.



Eduardo Montagnari

2 comentários:

  1. Querido Eduardo,

    Achei interessante e inteligente a sua análise do espetáculo "Aqueles Dois" e me senti totalmente representado pelas suas palavras.
    Há muito um espetáculo de teatro não me envolvia tanto...e fazendo uso apenas do essencial: os atores. Uma direção precisa, atores responsáveis, um texto denso, resultando num espetáculo sutil e delicado.
    Parabéns à 23ª SLAMC por este espetáculo e, certamente, temos e teremos mais motivos para comemorar!!!! EVOÉ!!!!

    Francisco de Carlo

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  2. Eduardo,
    Foi muito bom poder fazer o espetáculo em Araraquara.
    Parabéns por este Festival, por esta Semana!
    Obrigado pelas palavras, pela conversa e, sobretudo, por compartilhar o olhar de vocês no espetáculo conosco.
    Abraço imenso!

    Guilherme Théo

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