Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



sábado, 18 de junho de 2011

OLHARES CEGOS NO PRIMEIRO DIA DA SEMANA LUIZ ANTÔNIO: HISTÓRIA DE ÉDIPO E O HORÁCIO

                                                                  Lívia Cabrera

                                                                                        Lívia Cabrera

                                                                                        Lívia Cabrera

                                                                                         Lívia Cabrera

A Semana Luiz Antônio começou com dois textos que aparentemente não possuem nada em comum, A História de Édipo, com o Grupo Andante (MG), e O Horácio, da X Turma de Teatro – Barão de Mauá. O que a princípio parecia ser um abismo, pois o primeiro foi escrito no século IV a.C. e o segundo no século XX, foi na verdade uma feliz aproximação. Se na História de Édipo temos como ponto chave o dilema diante do (pré)destinado ao homem e a necessidade de escolher um caminho na tripla encruzilhada, sem saber/ver aonde realmente vai nos levar; em O Horácio há o questionamento das escolhas feitas pelos outros (Estado/poder) para nós, que o seguimos cegamente.


A cegueira, ponto comum às duas peças, se manifesta em formas diferentes: em Édipo é primeiro metáfora de seu desconhecimento e, digamos, arrogância, de rei que ousa governar, dirigir a cidade sem, no entanto ser senhor de sua própria história, pois desconhece sua origem, depois de lhe ser revelada sua verdadeira origem, Édipo cega-se fisicamente, explicitando a incapacidade, ou melhor, a fragilidade do homem diante do destino. Em Horácio a cegueira, do personagem, está em assumir o destino de Roma como seu, anular a pessoa, o humano em prol do Estado. Mas Heiner Müller vai bem mais além, ao apontar o destino trágico de seu personagem, aponta para a cegueira de toda a civilização ocidental, antiga ou moderna, matar em nome da guerra e tronar-se herói é diferente de ser um assassino? Eis aí a cegueira e a escolha em O Horácio.


Em ambas as peças é preciso saber ver para compreender as escolhas estéticas. A montagem de História de Édipo apresentou uma roupagem nova para um texto primoroso, explorando a especialidade cênica obtida por um andaime, o grupo soube aproveitar os altos e baixos, dentro e fora da estrutura para construir o palácio de Édipo, a disposição da arquibancada, circundando o andaime, conferia ao público o lugar de povo de Tebas. Embora tenha irritado os olhos e garganta de alguns espectadores, a fumaça constante, feita com incenso e pó de café, trouxe a peste, a morte e os outros males, descritos no texto, para a cena. Achados sutis e muito bem colocados no espetáculo foram: a dupla máscara para Tirésias, o adivinho cego, que tanto remetia ao seu conhecimento de passado e futuro, quanto ao fato de ter ele experimentado os dois sexos, pois sendo homem, foi metamorfoseado em mulher pelos deuses, voltando a ser homem depois. Outra sutileza foi a utilização de quatro ovos, deixados cair do alto do andaime, cada qual num lado, simbolizando o fim da descendência de Édipo e Jocasta, seus quatro filhos: Etéocles, Poliníces, Antígona e Ismênia; a bola de cristal verde nas mãos de Jocasta, que a deixa cair nas mãos de Édipo, como símbolo do destino comum. Vale lembrar ainda o uso da música ligada às falas do coro, resgatando um expediente da tragédia grega. Enfim, um belo espetáculo.


As escolhas da X Turma de Teatro – Barão de Mauá foram igualmente felizes ao jogarem com a densidade do texto e músicas irreverentes, no uso de vinho para indicar o derramamento de sangue, dos ovos (engolidos crus pelos personagens) aludindo às vidas devoras/extintas pelos soldados, cabendo ao soldado que maior número de ovos conseguiu engolir a “honra” de ser o escolhido para lutar por Roma, foi bastante expressiva, assim como a melancia/corpo devorada pelos romanos, as quebras bem ao sabor brechtiniano das frases escritas na lousa, das cenas cômicas, das narrativas e repetições. Um belo fecho para esta primeira noite.



Flávia Marquetti

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