Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

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A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



segunda-feira, 28 de junho de 2010

CRUZAMENTO DE ENCANTAÇÕES

Nesses dez dias de apresentações da XXII Semana Luiz Antônio Martinez Corrêa, vimos subir aos palcos, quer fossem convencionais ou não, toda uma história do teatro nas suas mais diversas estéticas. Desde peças que retomam textos medievais, como as dos grupos Galpão e Rosa dos Ventos, passando pelo Renascimento, Grupo Preto no Branco e Produtos Notáveis, pelo século XIX, Bia Seidi e o Núcleo Experimental, até chegar ao moderno e ao contemporâneo, com as Cias Hiato e Simples, a Cia Inadequada, Os Satyros, Fernando Eiras e Emílio de Mello, Janaína Leite e Fepa e todas as demais peças e grupos que buscaram uma nova linguagem para esse fazer tão antigo, o ato de representar, de encantar.
O ator usa de seu corpo, de seus sentimentos, de seu sangue para dar vida a um personagem e cruzar sua existência à nossa, mais do que divertir, ele quer capturar a vida no que ela tem de mais intenso, de mais belo e de mais terrível, as relações entre os homens, seus desejos, suas angústias, suas alegrias, seus preconceitos, em suma, tudo o que faz com que sejamos SERES HUMANOS, falíveis e encantadores, pois só o que é falível, imperfeito pode enternecer, a perfeição é exclusividade de Deus e de sua eternidade, sempre igual a si mesmo.
O mais belo no teatro, o que faz com que nos emocionemos é a irremediável certeza do Humano, tanto no que diz respeito ao personagem quanto ao ator, ao contrário de todas as outras artes que usam da tecnologia como mediadora, o teatro nos permite ver ali, ao alcance da mão, em carne e osso, o personagem pulsando no sangue do ator. Essa presença física desses dois universos humanos tão distintos e tão reais, personagem e ator, fundidos em um momento único, que não se reproduzirá jamais, a não ser ali, naquelas poucas horas, com aquela platéia, naquele dia, pois cada espetáculo, embora o mesmo, é outro, é diferente, é marcado pelo inefável, pelo humano.
Benditos sejam os atores que se despem de si para viver o Outro e nos permitem viver com eles esse Outro, cruzamentos e encantações... a possessão de Dioniso – Evoé a todos que partilharam esta XXII Semana de LU(I)Z.

Flávia Regina Marquetti

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