Prólogo

O ATOR E AS CIDADES

O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

.....................................

A arte do ator é feita de chegadas e partidas, a cada cidade uma nova experiência, em cada uma ele deixa um pouco de si e leva um pouco de tudo: rostos, risos, lágrimas, histórias, vivências, sensações. O trânsito, a mobilidade é a pátria do despatriado ator, vagar entre culturas, costumes e tempos diferentes é sua sina e paixão, pois ele se compõe e recompõe de cada momento. Tolo é aquele que pensa que a arte morre, tem seu lugar determinado por marcas geográficas, por cronologias... a arte foge de todo e qualquer enquadramento, não cabe no mapa, pois é cigana, não (re)conhece fronteiras, ela se constitui a partir do trânsito, do vagabundear do ator, seu veículo. Em sua carne e expressões ela ganha corpo e reflete os rostos de todos os homens de todos os tempos, arguta e criativa, ela mimetiza o mundo e esse seu habitante conturbado, o Homem e é adsorvida por ele.

A 24ª Semana Luiz Antônio traz a criativa itinerância que brota da releitura de grandes clássicos, de personagens que vagaram pelo mundo e foram incorporando os novos tempos, as novas cidades e estéticas. Em seus corações pulsam as lembranças da origem, mas em suas vestes o novo, o arrojado trânsito por locais insondáveis. E como diz o poeta:


a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa.

Ferreira Gullar



Evoé! e muita Lu(i)z...



Flávia Marquetti



domingo, 24 de junho de 2012

A PEREIRA DA TIA MISÉRIA


Um encerramento maravilhoso para a 24ª Semana Luiz Antônio, em pleno dia de São João, o Núcleo Ás de Paus nos brindou com uma apresentação excepcional, Pereira da Tia Miséria. O texto, com forte influência do teatro Medieval, é belíssimo. O tom das moralidades percorre toda a concepção cênica, complementada pelas canções magnificamente interpretadas pelos atores, que em suas pernas de pau alçam o espetáculo aos céus. As atuações são estupendas, a caracterização: figurino, maquilagem, adereços de cena, cenário... impecáveis, a todo momento o grupo nos fez perder o fôlego, desde a entrada, quando os integrantes, já em pernas de pau jogam serragem no semi círculo para delimitar o palco; passando pela deliciosa caracterização dos dois garotos que agilmente sobem, sempre em pernas de pau, na enorme pereira  para roubar as peras; pela entrada de Tia Miséria e seu cão, sem nome, apaixonante, e assim sucessivamente, como na cena do bêbado/santo; na cena da Morte e de pequenos personagens, presos à canela da perna dos manipuladores, um delírio; até o final, com a imagem da Tia Miséria em sua pereira... eternamente aguardando seu filho, Fome, e os atores, agora sem as pernas de pau e apenas com a base do figurino, comum a todos, de cor cinza (que nos faz lembrar da nossa essência...pó, cinza e mais nada), entoam seu canto final.
 Descomunal, é a melhor palavra para definir o espetáculo, quer seja, na grandiosidade da árvore, da Pereira, com seus guarda-chuvas verdes esburacados, quer nos personagens gigantescos que nos exigem um olhar para cima, para fora do contexto da vida normal, quer na grandeza da mensagem e da arte realizada pelo Núcleo Ás de Paus.


 Flávia Marquetti








Fotos: Lívia Cabrera

3 comentários:

  1. FANTÁSTICO! Para mim foi a melhor peça da semana!

    Fiquei muito surpreso pela capacidade vocal dos atores, todos incrivelmente afinados. UAU!

    As personagens crianças foram incríveis.
    o cão sem-nome estava incrível. Nunca vi alguém usar uma perna de pau de quatro.

    A tia Miséria, o Santo e a Morte estavam fantásticos. Demorou um pouco para eu perceber que as folhas da pereira eram guarda-chuvas.

    Ficou bem interessante o efeito da dobradura das pêras quando algum personagem a comia.

    Incrível como eles conseguem subir e descer da estrutura da pereira...

    Também tem outro detalhe que me encantou, a tia Miséria usava as pernas de pau de uma maneira diferente, alguém notou? Ela ficava parada até se inclinar para frente, daí então que ela dava um passo.

    Os bonecos? Uau, os bonecos. Naquele momento em que um boneco esfaqueava o outro, eu juro que não vi como o ator mudou a blusa dele para uma ensanguentada. E aquele se enforcando? Ficou ótimo.

    Pena que eu não trouxe minhas moedinhas, onde já se viu ir em um espetáculo de rua sem as moedas? Hehehe.

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  2. Eu nao tenho nem oq falar, foi tudo tao perfeitooo que me faltam palavras

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  3. ME lembrei de Portinari com os Retirantes e do Intermitências da Morte do Saramago...

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